quinta-feira, 17 de julho de 2014

Nascimento do Miguel - Relato de uma desnecesária

Nem acredito que finalmente comecei a escrever esse relato, digo isso porque por muito tempo isso foi impossível tamanha dor que sentia em lembrar desse momento. Acredito que as feridas estejam finalmente cicatrizadas. Hoje sou grata pela experiência, por tudo que aprendi e vivi, pois não acredito em coincidências. Não, não é conformismo, é apenas aceitação para seguir em frente. 
Tudo começou com um problema hormonal que me fez freqüentar o gineco mais do que gostaria, estava produzindo prolactina sem estar grávida e precisei fazer um tratamento de dois meses para normalizar tudo. Na última vez que foi naquele ginecologista levar os exames e constatar que tudo estava normal ele me perguntou se estava pensando em engravidar, isso eram meados de abril. Eu respondi que sim, pretendia, mas mais no final do ano (estava pensando em engravidar lá por dezembro). Então ele me aconselhou a parar de tomar o anticoncepcional e três meses antes de engravidar começar a tomar ácido fólico, ele me deu uma amostra grátis. Na verdade já tinha parado com o anticoncepcional por causa do problema hormonal.
Eu e meu esposo conversamos e como tinha tomado anticoncepcional por 10 anos ininterruptos achei que iria demorar bastante para engravidar. Comecei a tomar o ácido fólico e paramos de nos cuidar, paralelamente a isso conversava muito com uma grande amiga/irmã e doula que me ajudou muito em todos os períodos dessa jornada. Mudei a alimentação com as dicas que recebi e comecei aos poucos a me preparar para engravidar.
Após uns quatro meses, quando finalmente minha menstruação atrasou tive a certeza de que estava grávida, toquei em meus seios e já estava produzindo leite novamente. Minha menstruação deveria descer na sexta-feira e eu só consegui esperar até a próxima quarta, quando fiz um exame de sangue e comprovei que estava grávida. Descobri que estava grávida com apenas 5 semanas de gestação. Era muita felicidade finalmente estar esperando um bebê.
Começou a saga de procurar um obstetra minimamente humanizado em Pelotas/RS. Não quis voltar ao que fez o tratamento hormonal, pois este estava prestes a se aposentar. Precisava de um médico de confiança e que atendesse em um hospital, afinal até aqui achei que iria ganhar pelo SUS.
Algumas amigas haviam me indicado um médico que atendia na Santa Casa, dizendo que ele era muito acessível e super atencioso, então foi nele que eu fui. Nós nos agradamos muito dele, nos explicava tudo direitinho e mesmo pelo SUS ficava mais de uma hr com a gente tirando todas as dúvidas.
Deixa eu esclarecer uma coisa: não existem médicos assumidamente humanizados na cidade e esse foi indicado por ser realmente atencioso, já que aqui até médicos realmente interessados é difícil de achar.
Continuando, gostamos muito do médico apesar de não ser o que a gente de fato sonhava, pois queríamos mesmo era um profissional que fizesse parto humanizado e domiciliar, chegamos a conversar com ele sobre isso e ele logo descartou a ideia. Nossa incrível como o medo não deixa as pessoas irem em frente. Os médicos têm medo de parto domiciliar, pois isso se resume a eles em: se acontecer algo não vai dar tempo de chegar no hospital.
Como gostamos muito do médico resolvemos garantir que ele estivesse presente no parto através do PAC (um plano pago feito na Santa Casa, um particular mais barato que garante leito, quarto semi-privativo e os honorários do médico da escolha do paciente).
Conversando sobre o parto o médico nos disse que podia fazer o leboyer que garantia um parto mais humanizado sem intervenções mesmo que no hospital. Ficamos muito felizes por tudo estar se encaminhando da melhor forma possível.
Com três meses de gestação, passado o período de riscos de aborto, resolvi fazer hidroginástica para ajudar o meu corpo, pois antes disso era muito sedentária e engravidei uns 10kg acima do meu peso ideal. Estávamos também com um grupo de gestantes juntamente com a minha doula, era maravilhoso trocar informações e compartilhar com todas aquelas poucas mamães que freqüentavam o grupo.
Considero que minha gestação foi tranqüila, passando por momentos de estresse: escolher largar um dos trabalhos (já que estava muito cansativo continuar com os dois), construir a nossa casa e ter que lidar com pedreiros desonestos, açúcar um pouco elevado mais para o final da gestação tendo que fazer dieta e por fim mas não menos importante ser abandonada pelo obstetra na 35º semana de gestação.
Aprofundando um pouco essa questão: quando estava com 35 semanas meu obstetra comunicou ao grupo de gestantes que ele acompanhava que estava indo embora de Pelotas por motivos pessoais e profissionais. Ele indicou dois médicos do mesmo hospital que ele confiava, se despediu e nos deixou. Confesso que esse foi um momento bem tenso pra mim, fiquei muito chateada e me sentindo desamparada.
Bom, finalmente conhecemos o nosso novo médico e graças a Deus nos entendemos bem com ele, era um médico jovem e nos deixou bem a vontade para fazer tudo que tínhamos combinado com o médico anterior. Então mais aliviados seguimos em frente.
Final de gestação chegando, livros lidos, experiências trocadas em grupos presenciais e virtuais, filmes assistidos, exercícios feitos, mudança feita, todos os problemas estavam resolvidos então começou o período de ansiedade.
Já com 39 semanas na consulta semanal de rotina e com um dedo de dilatação, conversando com o médico decidimos fazer um leve descolamento para encaminhar o trabalho de parto, hoje sei que foi cedo demais para isso, mas naquele momento jamais achei que isso talvez pudesse me prejudicar, já hoje tenho minhas duvidas. Essa consulta aconteceu em uma segunda-feira.
Na quinta-feira passei o dia inteiro tendo contrações indolores, no final do dia fui ver o médico ele me examinou e disse que estava tudo certo e que ainda não estava de fato em trabalho de parto, continuava com um dedo de dilatação. Voltei para casa e a noite comecei a perder o tampão.
Na sexta-feira acordei umas 8h e fui tomar café, então comecei a ter contrações já com alguma dor, bem espaçadas, tanto que nem consegui terminar de comer. Minha mãe veio ficar comigo e eu fiquei monitorando. Perto do meio dia quando meu companheiro veio almoçar resolvemos ir ao hospital, pois as dores estavam cada vez mais fortes e em um espaço de tempo menor. Passamos na casa da doula para ela ir junto e ligamos para o médico nos encontrar no hospital.
Chegamos e ele constatou que eu estava com quase dois dedos de dilatação e disse que se eu quisesse podia já ficar internada, eu aceitei. Hoje acredito que deveria ter voltado para casa, mesmo morando longe jamais deveria ter passado tantas horas em trabalho de parto no hospital.
Meu esposo fez a internação e as dores foram se intensificando. Já no inicio da tarde o médico me examinou novamente e estava com três dedos, foi à última evolução da minha dilatação. Passei a tarde toda com muitas dores caminhando pelos corredores do hospital recebendo olhares apavorados de enfermeiras, pacientes, por causa de meus gritos, todas falavam: “coitada ta morrendo de dor”. Quando entrava para o quarto que estava internada era bem pior, pois minha colega de quarto já tinha ganhado bebê e eu não conseguia nem me entregar ao momento pensando que os gritos podiam assustar a menina que tinha acabado de chegar ao mundo. Então me encerrava no banheiro, onde passei mais da metade do trabalho de parto, para ter um pouco mais de privacidade, mesmo assim não mergulhei na partolândia, algo me impedia! Como produzir ocitocina em um ambiente tão hostil, frio e cercada por tantos julgamentos?
Nada do que planejei aconteceu! Achei que chegaria no hospital, ficaria em um quarto sozinha com meu companheiro e minha doula, colocaria as músicas que selecionei com tanto amor para a chegada de meu filho, enfim, pensei que teria tranqüilidade!
Não contava com a realidade do sistema e fui bem ingênua em acreditar que seria fácil controlar o lado psicológico e simplesmente viver o momento mais esperado da minha vida em harmonia independente de onde estivesse.
Ao longo da tarde as contrações só aumentavam e o tempo entre elas só diminuía e a cada exame de toque o desespero, nada de sair dos 3 dedos!
Quando chegou no final da tarde, umas 19h meu médico me chamou para mais um exame, levei um bom tempo para me deslocar do quarto até a sala dele, pois estava com muita dor, mal caminhava, dava dois passos e vinha uma contração. Já estava com um sentimento ruim, querendo que tudo aquilo acabasse logo. Minha doula sugeria posições e coisas para fazer, mas não havia mais força física e nem emocional para nada.
Chegando na sala, com muita dor, já sem liquido da bolsa, que fui perdendo ao longo do trabalho de parto, fiz mais um exame de toque e pasmem: 3 dedos de dilatação! Quando o médico me disse eu tinha vontade de berrar de desespero, só não o fiz, pois não tinha forças para isso.
Foi então que o médico, com ar de preocupação me disse: olha Vanessa, você está há horas em trabalho de parto e não evolui sua dilatação, o meu medo é que continues com essa dor toda a noite e amanhã pela manhã eu te examine e você continue com 3 dedos. Estou indo para casa tomar um banho e daqui a uma hora estou de volta, conversa com seu marido e decide se queres continuar esse trabalho de parto ou podemos fazer uma cesárea e acabar logo com isso.
Então naquele momento eu tive a certeza de que nada mais daria certo e que meu sonho tinha ido por “água a baixo”.
O médico retornou ao hospital por volta das 20h e quando me examinou eu continuava com 3 dedos, porém com a dor ainda mais intensificada. Não sei ao certo de quanto em quanto tempo, mas minhas contrações estavam muito seguidas e eu tão cansada e já muito triste. Foi então que tomei a decisão mais difícil da minha vida: fazer à cesárea!
Fui para o bloco cirúrgico com muitas contrações, custaram a conseguir me aplicar a anestesia e às 21h em ponto meu filho Miguel nasceu, enquanto eu estava amarrada de braços abertos, com um lençol azul na minha frente, meu esposo estava comigo assistindo a tudo. Me levaram ele por segundos para eu o conhecer, um lindo menino cabeludo, pesando 3,530 e medindo 50 cm, a cara do pai. Depois disso ele e meu esposo saíram da sala e eu fiquei lá enquanto me costuravam, me senti sozinha, desamparada, só queria estar ao lado de meus dois amores.
Não lembro de muita coisa desse instante, só que acordei em uma sala de recuperação com várias pessoas estranhas, sim no hospital que estava não existe sala de recuperação separada para quem teve bebê, é junto com todas as outras pessoas do hospital. Então me informaram que eu só sairia de lá quando conseguisse levantar o bumbum da cama sozinha. Foi o que eu fiquei tentando fazer incansavelmente. Meu esposo passou por lá, foi me dar notícias do Miguel que tudo estava bem e que ele estava calminho, o que me deixou mais tranqüila, e logo se foi a meu pedido para ficar com nosso filho.
Por volta de 23h, sim eu fiquei apenas 2h30 na recuperação, tamanha a minha vontade de estar com meu filho, finalmente me mandaram para o quarto. Quando cheguei ele estava calminho no colo da minha irmã e eu desesperada para tê-lo em meus braços. Já ao meu lado, pois eu não podia me levantar por causa da cirurgia, ele foi direto para o peito e ficou mamando por pelo menos duas horas sem parar, claro que cochilando em alguns momentos, mas sem sair do peito. E ali ficamos lado a lado por toda a noite.

Pós parto, ainda mais desafiador!

Como se não bastasse passar por uma cesárea desnecessária, ainda enfrentei um pós-operatório ainda mais desafiador e não poderia deixar de relatar, pois ele é parte fundamental do processo.
O Miguel nasceu numa sexta-feira à noite e na segunda recebi alta. Em casa, porem muito debilitada, barriga grande ainda, cor da pele amarelada e com muitas dificuldades de movimento. Sem falar na dor de cabeça insuportável da anestesia, sim foram as piores dores de cabeça que já senti na minha vida. Isso que na adolescência sofri bastante de enxaqueca, mas nada se compara, só quem já teve sabe como é.
Sem poder cuidar direito do meu filho, pois o médico indicou para a dor de cabeça, ficar o máximo de tempo deitada possível, a semana foi passando e as sensações que deveriam ir se amenizando pareciam só piorar. Inclusive por duas vezes notei um sangramento pequeno vindo da cicatriz, mas considerei normal. Achei que era assim mesmo, afinal sabia como era um pós-operatório, não era a primeira cirurgia da minha vida.
Então na outra sexta-feira, uma semana depois do nascimento do meu filho me deitei à tarde com ele para descansar e quando acordei estava sangrando muito pela cicatriz, ai o susto foi maior. Chamei meu companheiro, já apavorada e ligamos para o médico que pediu para que eu fosse ao hospital imediatamente.
Liguei para minha mãe vir ficar com o Miguel e fomos ao hospital achando que fosse algo simples e corriqueiro. Esperamos um pouco a chegada do médico e quando ele examinou, já com uma cara meio preocupada nos apontou o diagnóstico: hematoma de parede. E o procedimento? Retirar os pontos e com uma seringa furar os coágulos já formados para poder colocar todo aquele sangue para fora! Nossa, nem tenho palavras para descrever a dor. Pior do que a dor foi a notícia que ele nos deu: eu teria que ficar internada até todo aquele sangue parado sair de dentro de mim!
Não preciso dizer que o desespero bateu nessa hora, tantas coisas passando pela minha cabeça! E meu filho, não consegui dar a ele o parto que gostaria e agora teria que privá-lo da minha presença e amamentação? Já não bastava ter passado por todo o resto, estar sofrendo e me culpando horrores por tudo o que tinha acontecido, mais isso? Fui tomada por uma carga de sentimentos ruins que acabaram só piorando todo o processo.
Conversamos com o médico e ele conseguiu um quarto privativo e disse que eu poderia trazer o Miguel para ficar comigo, o que me deixou bem aliviada, pelo menos não ficaria longe do meu anjinho e se não fosse isso não sei o que seria de mim. E foi só por isso que eu não quis morrer. De fato não sei o que estava doendo mais, o corpo ou a alma. Estava dilacerada!
Foram cinco dias intermináveis naquele hospital, fazendo curativos de três a quatro vezes por dia. Era muito dolorido, pois todas as vezes que iam fazer precisavam apertar muito e tirar todo sangue possível, lavar e depois fazer o curativo. Além disso, tive que receber duas bolsas de sangue, pois perdi muito sangue e precisava repor.
Paralelamente a isso tinha muita dor para amamentar, bicos rachados e acredito que pelo organismo estar fraco e debilitado não cicatrizavam nunca as mamas, não importava o que eu fizesse, sim eu fiz de tudo! Usei horrores de pomadas e cascas de frutas, tudo que me indicavam eu fazia, tamanho desespero, mas não desisti. E as mamas só pararam de doer praticamente quando me recuperei da cesárea, quando o Miguel já estava com uns três meses.
Quando faziam cinco dias de internação, apesar das enfermeiras me dizerem que eu ia ficar no mínimo uns dez no hospital, meu médico me deu alta. Eu estava com o corte aberto e deveria continuar fazendo os curativos em casa e esperar que o ferimento cicatrizasse de dentro para fora e por isso não podia costurar. O medico ensinou minha mãe e meu companheiro como deveriam fazer o curativo e mandou eu ir para casa, pois me disse que estaria mais segura de infecções e mais tranqüila emocionalmente no meu lar. Fiquei feliz em poder ir para casa e durante os primeiros dias o médico ia lá para me visitar e verificar se estava tudo certo. Nos atendia por telefone sempre que precisávamos também.
As primeiras semanas foram mais difíceis, mas depois eu fui melhorando, o corte foi fechando, camada por camada. Se passaram quase uns dois meses nessa função e lentamente ia ficando melhor também emocionalmente. Aceitando o que tinha acontecido, tentando tirar as lições e aprendizados daquela experiência toda.
Porem apesar de tudo estar bem melhor o corte de fato não fechava de vez e meu esposo notou que estava ficando torto, pois o peso da barriga fez com que a parte de cima não fosse de encontro com a parte de baixo do jeito que deveria. E então depois de algumas semanas sem falar com o médico resolvemos ligar e ele marcou para irmos vê-lo, ele queria verificar a situação.
Chegando ao hospital o médico olha o corte e me dá mais uma notícia, teria que fazer um pequeno corte superficial com anestesia local para que ele pudesse costurar ligando os dois pontos que estavam desencontrados. Procedimento esse que ele faria e eu só teria que passar por observação de umas duas horas e iria para casa no mesmo dia. Marcamos a data para os próximos dias e lá fui eu mais uma vez pra faca!
No dia deixamos o Miguel na minha mãe, nunca vou esquecer que levei até leite artificial, pois ele ainda mamava de quatro em quatro horas e eu não sabia quanto tempo demoraria para voltar. Ele me esperou das 8h até as 13h, praticamente ficou todo tempo dormindo. Antes de sair falei para ele que ia demorar, mas que vinha logo ficar com ele. Cheguei na mãe e ainda consegui almoçar antes de ele chorar querendo teta. O anjinho me esperou e isso me marcou muito.
Lá fomos nós, eu e meu companheiro inseparável. Não sei o que seria de mim sem ele. Me deu tanta força que eu só me sentia segura ao lado dele. Para o bloco tive que ir sozinha, levei a anestesia local e até que não doeu tanto assim, acho que já tava calejada. Percebi que levei muitos pontos e esses eram bem apertados para de fato cicatrizar aquilo que já estava tão mexido.
Meu ultimo episódio de dor então foi na retirada dos pontos que foram feitos bem apertados para não correr risco de não fechar e foram retirados um a um. Vi muitas estrelas a cada ponto retirado, mas minha história de sofrimento acabou nesse mesmo dia.

Finalizando...

A ideia de escrever sobre esse episódio longo que durou em torno de três meses foi para tentar ajudar outras mulheres a fazerem escolhas conscientes. Para que essas saibam o quão é importante se informar e se preparar para o parto. Também para desmistificar essa história que cesárea não dói. Não consigo ouvir uma mulher dizer que vai fazer cesárea para não sentir dor, isso é uma falácia, uma triste ilusão.
O que espero é que minha história sirva principalmente para quem ainda tem dúvidas do que é melhor para sua saúde.
Eu não desejava passar pelo que passei e não desejo para ninguém. Procurei tirar aprendizados de tudo que vivi e serviu muito para a minha evolução como pessoa. Hoje confio mais em mim e novamente estou tendo a chance de protagonizar a minha história. Cada vez mais informada e forte tenho certeza de que tudo será diferente.








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